quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Afeganistão: Eu sou Hazara



            Mamãe costumava dizer que não devíamos cruzar a estrada de Alamdar de jeito algum. Eu às vezes olhava para o horizonte e sentia uma vontade imensa de viajar. Ouvia as histórias de meu pai sobre Quetta, a cidade onde antes morava, e imaginava um mundo diferente do que o meu. Muito mais bonito. Gosto de estudar, mas minha mãe prefere me manter em casa por medo. “Você é importante demais para mim.” Dizia. E por livros velhos, me ensinava as coisas mais básicas, embora o que eu desejasse mesmo era brincar com as outras crianças.
            Por estar longe de muita coisa, vivia perguntando a meu pai sobre tudo. Ele às vezes ficava sentado do lado de fora de casa, encarando o horizonte. Os vizinhos o cumprimentavam, ele respondia, mas logo depois voltava a fumar e a contemplar o que eu não sabia. Parecia estar em outro lugar.
            Quando fiz quinze anos, meu pai colocou outra cadeira ao seu lado e me chamou. Estranhei, mas achei aquilo muito incrível. Por mais que tentasse entendê-lo, éramos diferentes, parecíamos dois estrangeiros. Eu, com o meu mundo, ele, com o dele, muito mais complexo e misterioso.
            “Karim, eu tenho que te contar uma coisa.”
           
O cemitério Hazara é o mais bonito do mundo. Nunca vi os outros, mas na primeira vez que pisei naquele lugar, senti uma pontada de esperança misturada com angústia. Nos povos em que tudo é perfeito, deve ser diferente, mas não sei como. O nosso é mais mágico, tenho certeza. Em cima de cada túmulo, há uma bandeira colorida, uma mensagem e uma foto. Meu tio carregava um semblante pacífico, inocente. Jovem, tinha uma aparência muito diferente do meu pai e muito parecida com a minha. Coloquei os meus dedos sobre o rosto dele e senti saudade, mesmo sem nunca o ter conhecido.
            “Levou nove tiros, o primeiro deles bem no coração.”
            Para sermos Hazara, temos que ter coragem. Com uma pontada de fé, saudade e força, nós vivemos. Meu tio foi desses que, mesmo com medo, trabalhava e tocava a vida. Meu pai e minha mãe também são, assim como os nossos vizinhos e os que eu não conheço. Ficamos aterrorizados, com medo da morte dos terroristas que nos odeiam. Mas também temos esperança. Quem sabe a paz não chega?

            Às vezes eu vou ao cemitério e fico olhando as pessoas rezando. Muitas choram, mas há também aquelas que conversam e acabam sorrindo. A felicidade está em todos os lugares. Aqui também. 

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