Mamãe costumava dizer que não
devíamos cruzar a estrada de Alamdar de jeito algum. Eu às vezes olhava para o
horizonte e sentia uma vontade imensa de viajar. Ouvia as histórias de meu pai
sobre Quetta, a cidade onde antes morava, e imaginava um mundo diferente do que
o meu. Muito mais bonito. Gosto de estudar, mas minha mãe prefere me manter em
casa por medo. “Você é importante demais para mim.” Dizia. E por livros velhos,
me ensinava as coisas mais básicas, embora o que eu desejasse mesmo era brincar
com as outras crianças.
Por estar longe de muita coisa,
vivia perguntando a meu pai sobre tudo. Ele às vezes ficava sentado do lado de
fora de casa, encarando o horizonte. Os vizinhos o cumprimentavam, ele
respondia, mas logo depois voltava a fumar e a contemplar o que eu não sabia. Parecia
estar em outro lugar.
Quando fiz quinze anos, meu pai
colocou outra cadeira ao seu lado e me chamou. Estranhei, mas achei aquilo
muito incrível. Por mais que tentasse entendê-lo, éramos diferentes, parecíamos
dois estrangeiros. Eu, com o meu mundo, ele, com o dele, muito mais complexo e
misterioso.
“Karim, eu tenho que te contar uma
coisa.”
O cemitério Hazara é o mais bonito do mundo. Nunca vi os
outros, mas na primeira vez que pisei naquele lugar, senti uma pontada de
esperança misturada com angústia. Nos povos em que tudo é perfeito, deve ser
diferente, mas não sei como. O nosso é mais mágico, tenho certeza. Em cima de
cada túmulo, há uma bandeira colorida, uma mensagem e uma foto. Meu tio
carregava um semblante pacífico, inocente. Jovem, tinha uma aparência muito
diferente do meu pai e muito parecida com a minha. Coloquei os meus dedos sobre o
rosto dele e senti saudade, mesmo sem nunca o ter conhecido.
“Levou nove tiros, o primeiro deles
bem no coração.”
Para sermos Hazara, temos que ter
coragem. Com uma pontada de fé, saudade e força, nós vivemos. Meu tio foi
desses que, mesmo com medo, trabalhava e tocava a vida. Meu pai e minha mãe
também são, assim como os nossos vizinhos e os que eu não conheço. Ficamos
aterrorizados, com medo da morte dos terroristas que nos odeiam. Mas também
temos esperança. Quem sabe a paz não chega?
Às vezes eu vou ao cemitério e fico
olhando as pessoas rezando. Muitas choram, mas há também aquelas que conversam
e acabam sorrindo. A felicidade está em todos os lugares. Aqui também.
Afeganistão: Eu sou Hazara