Do casamento de europeus, índios e africanos, nasce o
guardião da coragem. Equipado com um único cavalo, o seu maior bem, ele corre
por grandes distâncias, bravamente, pronto a lutar. Pois um desses solitários,
montado num animal negro, cansou-se das intermináveis andanças e resolveu
passar por um restaurante com uma boa carne. “Um churrasco, por favor, e
vinho!”
O garçom, meio desengonçado diante do dia movimentado, trouxe-lhe aquilo tudo meio que se desculpando pela falta de jeito e demora. O
cavaleiro, ao invés de lhe tranquilizar, dirigiu-lhe apenas um olhar de
impaciência, um ar de alguém que tinha visto muita desgraça naquelas milhas
percorridas. Herói de guerra, o homem estava marcado com as heranças da morte
dos que se desfizeram diante de seus olhos.
“Senhor, teremos um espetáculo de dança nessa noite. Vim
avisá-lo para caso queira esperar.”
O gaúcho tomou uma golada do bom vinho e afirmou que
ficaria sim, não tinha lá horas marcadas. Os caminhos podiam esperá-lo, porque
continuariam ali.
E quando viu, estava absorto. Uma moça dançava lindamente
com outro rapaz. Ambos se olhavam e se tocavam, em movimentos, de forma a
demonstrar o grande amor. “Estão apaixonados?” O gaúcho perguntou para o homem
ao seu lado. O vizinho disse que apenas se tratava de arte. Arte? Ora, não
conhecia bem esse termo. Para ele a vida se resumia à força interior. A beleza
estava reservada para os campos e não humanos.
“Eu posso dançar?” Perguntou, animado. “Fique à vontade.”
O outro respondeu, com a mesma antipatia antes dirigida pelo gaúcho ao garçom.
O guardião, então, levantou-se e resolveu puxar uma daquelas moças. Foi um
tremendo desastre. Alguns lhes apontavam, riam, embora eles não lá
percebessem, por estarem ocupados demais com a companhia um do outro. E ao fim
do ritmo animado, o gaúcho sorriu e pensou que levaria aquela música para
sempre no coração.
Vez ou outra, quando o vento lhe tocava a face fortemente
em suas viagens a cavalo, sentia uma liberdade tão grande... Mas nada é tão
livre quanto o movimentar dos pés ao som de uma melodia. Ele sabia disso, por se lembrar da dança ao olhar para as árvores que balançavam.
Argentina: O Gaúcho